Recentemente, li o livro "Consumption Economics: the new rules of tech", de três autores, J.B. Wood, Todd Hewlin e Thomas Lah, que descrevem, de forma clara, as mudanças que estão acontecendo com as empresas e a indústria de tecnologia. O que esta leitura me mostrou? Que estamos vivenciando uma nova era para a indústria de software. As empresas de software precisam se reinventar. A fórmula que as trouxe sucesso não garantirá mais seu futuro. Simples assim...mas por quê?
Vamos analisar de forma genérica o cenário. A maioria das empresas de software, tanto as gigantes lá fora, como as brasileiras, mantém praticamente o mesmo modelo. Desenvolvem um sistema inicial, ao longo do tempo adicionam novas funcionalidades (por exigência de alguns clientes, força da competição etc), que acabam criando um excesso de funcionalidades e, com isso, a complexidade aumenta naturalmente a cada ciclo de atualização. As adições de funcionalidades são acumuladas e, de tempos em tempos (ciclos de alguns anos), enviam a nova versão aos clientes que têm contrato de manutenção, os obrigando a reimplementarem o sistema em seus servidores. Por sua vez, o fornecedor do software, que não pode garantir que todos os clientes migrem simultaneamente para a última versão, ficam com gastos de manutenção e suporte de diversas versões.
As empresas, pelo fato dos softwares rodarem nos servidores do consumidor, não têm ideia precisa de quais funcionalidades os clientes estão realmente usando e onde encontram dificuldades para utilizar o produto. Os usuários não são ouvidos - a não ser em fóruns de clientes onde, eventualmente, alguns pedidos, sugestões e críticas são formulados. Portanto, muitas das novas funcionalidades não se mostram atrativas para muitos consumidores. Eles não precisam delas...
O modelo de cloud SaaS (Software as Service) abre um novo cenário. O fornecedor, por ter o software operando em seus servidores e não mais no cliente, tem a oportunidade de implementar mecanismos de rastreio das funcionalidades por cada cliente. Além disso, o usuário pode ser ouvido se o provedor incentivar a criação de comunidades em plataformas sociais, que podem discutir e propor soluções inovadoras. Amplia, em muito, o poder de inovar do fornecedor de tecnologia. Além disso, estas comunidades podem ajudar a resolver problemas de suporte por si mesmo.
Redesenhar o software atual para cloud e desenvolver os novos diretamente para este novo modelo não é simplesmente operá-lo em uma máquina virtual da mesma forma que opera hoje. Demanda uma nova arquitetura. Modular (olhem os conceitos de SOA novamente), com mecanismos de rastreamento incluídos e capacidade de se configurar automaticamente para que cada usuário tenha as funcionalidades que precisa e pagar apenas por elas. Por operar nos servidores do fornecedor, em cloud, todos consumidores passam a ter a mesma versão. Por outro lado, os processos de desenvolvimento devem ser aprimorados para que a entrada em operação da nova versão não provoque danos (um erro afeta todos os usuários, diferente do modelo on-premise, onde apenas os clientes que implementaram a versão com erro são afetados) e, portanto, devem implantar mecanismos de retorno imediato a versão anterior. Como vemos, muda bastante os bastidores da empresa de software. As adições e alterações também não são feitas em grupo, mas de forma contínua. Leiam este paper "How Facebook ships code", em http://framethink.wordpress.com/2011/01/17/how-facebook-ships-code/. Será que este conceito só se aplica ao Facebook? Também no mundo das apps os upgrades são contínuos.
As interfaces também devem ser aprimoradas para se encaixarem no modelo de apps, que são intuitivos e de fácil uso. O design da interface passa a ter um papel fundamental no projeto do software. Também é necessário pensar em novos modelos de negócios. Por exemplo, modelos já consagrados no mundo de apps para o usuário final, como freemium, vão começar a ser adotados nos softwares corporativos. Assim softwares que hoje são vendidos a um milhão de dólares, no modelo on-premise, vão ser ofertados em versões mais simples, gratuitamente, para chamar atenção. Para usuários que desejarem mais funcionalidades, haverão pagamentos apenas por estas. Portanto, ao invés de embolsar um milhão de dólares no ato da venda, o provedor passa a ter uma receita diluída ao longo de vários anos, em forma de micropagamentos. Totalmente diferente do que é hoje.
O processo de marketing e vendas também é afetado. O próprio software pode embutir mecanismos de incentivo à aquisição de novas funcionalidades... Assim, artifícios como a Amazon usa para vender livros, como "quem comprou este livro, também comprou este outro", pode ser adaptado para "quem usa esta funcionalidade, também usa esta outra".
O processo de vendas vai mudar. Hoje, se analisarmos o processo de vendas de software, ele se baseia nos princípios criados pela NCR, em 1887. O modelo criado por eles no século XIX, em plena efervescência da revolução industrial e dos processos de fabricação padronizados, partia da ideia de vender produtos padronizados, que poderiam oferecer os mesmos benefícios para todos os clientes. Os discursos de venda eram, portanto, também iguais e os vendedores eram treinados para falarem a mesma coisa, qualquer que seja o cliente. Mas se o software passar a ser um conjunto de funcionalidades (imaginem um conjunto de apps em uma app store), onde o cliente pode escolher seu próprio cardápio, o processo muda. De venda de produto padronizado para venda consultiva, na qual é muito mais importante entender as necessidades e demandas do cliente e do seu negócio, do que a tecnologia que está no software. O discurso não é mais enlatado, mas 1-To-1. Isto leva a uma nova força de vendas, preparada para entender o negócio e falar a linguagem do negócio. Mesmo porque a venda não será mais concentrada no CIO e sim dispersa pela organização do cliente. O novo vendedor deverá estar antenado com casos de sucesso da indústria do cliente (e de outros segmentos) e terá que ser capaz de dialogar com o executivo de supply chain assim como com o CIO. Também, não mais receberá comissão de uma vez só, mas ao longo do tempo, à medida que o software seja mais e mais consumido. Este, inclusive, é o mote do livro que citei acima, "Consumption Economics".
Enfim, observem que estamos apenas falando da indústria de software usar para si mesmo o conjunto de ondas tecnológicas que já estão sobre nós e transformando todos os setores: big data, plataformas sociais, mobilidade e cloud. Será que a indústria de software pensava que estas ondas também não a afetariam? A indústria de software dos próximos anos não será a mesma que conhecemos hoje.

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April 2014
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A indústria de software dos próximos anos não será a mesma que conhecemos hoje |