A possibilidade da
utilização efetiva da Informática como tecnologia passa
necessariamente pela compreensão de sua instrumentalização e
aplicação na vida cotidiana, mas algumas atividades parecem
distantes ou mesmo opostas, como a de uma educação ainda
excessivamente identificada com a aprendizagem mediada pela leitura e
pela escrita, e de uma cultura que tende a desconfiar da tecnologia,
que parece ameaçar a própria condição humana.
Até aqui, a ênfase
tem sido a das aplicações de origem comercial, mas é óbvio que
qualquer rede complexa de relacionamento social, como as redes
sociais e culturais, precisam considerar suas possibilidades de
incorporação dos formatos da computação em nuvem e localizá-la
no conjunto dos recursos tecnológicos disponíveis.
Desde os anos 70,
quando o conceito de computação em nuvem surgiu, começou-se a
definir um espaço virtual 'sem dono e sem fronteiras' onde
circulariam software e informações que poderiam ser acessadas por
qualquer usuário: o cloud computing, definido como um modelo no qual
a computação (processamento, armazenamento e softwares) não está
no computador que estamos usando, mas em algum ponto remoto, acessado
via internet.
De um lado, essa tendência de arquitetura
informacional significa que boa parte das funções de TI não serão
mais 'responsabilidade' dos usuários finais, e que as redes de
computadores poderão, finalmente, ser simplesmente 'usadas'. De
outro, concretiza-se uma das maiores anti-profecias da história da
tecnologia: se houve um tempo em que não se pensaria em mais que
cinco ou seis computadores para suprir as necessidades do mundo
inteiro, hoje torna-se possível imaginar que estamos todos passando
a ter supercomputadores em casa, a custos cada vez mais baixos.
É importante lembrar,
porém, que os possíveis beneficiários da computação em nuvem não
se restringem aos usuários domésticos e às empresas de tecnologia
(como o Google, por exemplo) e serviços comerciais (como a Amazon).
Alguns dos espaços mais estratégicos para a sua utilização talvez
sejam o das diversas figuras jurídicas associadas aos poderes
públicos, e aos órgãos e instituições não-governamentais, mas
não seria possível falar sobre todos num único artigo. Por hora,
apontaremos apenas algumas questões para evidenciar o valor
estratégico da computação distribuída em sistemas educacionais e
redes de produção e difusão cultural.
Um dos primeiros pontos
a se ressaltar provavelmente será o diminuição de custos com
manutenção e melhor aproveitamento dos investimentos em hardware.
Num ambiente de escalas tão monumentais quanto o da educação
brasileira, por exemplo, qualquer economia na aquisição de
equipamentos e serviços pode gerar fundos para melhoria de
infra-estrutura e qualificação da mão-de-obra dos professores e
técnicos para a utilização dos recursos disponíveis.
Gastando-se
menos com máquinas e software, por exemplo, fica mais fácil ampliar
os investimentos públicos para solucionar certos pontos delicados do
desenvolvimento da tecnologia, como a estabilidade do armazenamento e
a proteção aos dados restritos (por exemplo os dados
administrativos e jurídicos das escolas) e sigilosos (como projetos,
avaliações de alunos e instituições, etc.) dos sistemas públicos
de educação e cultura.
Assim, por exemplo,
como os sistemas e redes das empresas precisam suportar a demanda dos
períodos de pico em vendas – como o Natal – as unidades de
serviços educacionais e culturais precisam atender a picos de
processamento (em períodos de matrícula, fechamento de pautas,
geração de avaliações e estatísticas educacionais, realização
de festivais e encontros culturais etc.), demandando uma estrutura
que não teria porque ser mantida no decorrer do ano letivo regular.
Uma outra grande potencialidade da nuvem é a da atualização das
configurações e disponibilização de recursos computacionais sem a
interferência na rotina do usuário final, como costumam fazer, por
exemplo, sistemas como o Gmail, Yahoo ou Hotmail.
Especificamente no
campo da Educação, há uma série de regulamentações a serem
estabelecidas, regulamentações para as quais a consideração sobre
as diversas licenças de direitos autorais e difusão desenvolvidas
nos últimos anos devem ser tomadas como um necessário ponto de
apoio. É preciso estabelecer protocolos e procedimentos para
oferecer segurança e confiabilidade aos gestores públicos e aos
cidadãos.
Talvez não estejamos ainda dimensionando o quanto será
importante no futuro (no presente?) o desenvolvimento de soluções
em software livre para mediar – ou, mesmo, viabilizar – a
integração dos dados e serviços das redes e sistemas educacionais
e culturais. Por sua própria natureza e diversidade, a educação e
a cultura precisam recorrer a recursos que garantam sua mobilidade,
flexibilidade e legitimidade, recursos que não sejam de ninguém em
particular, mas que ao mesmo tempo sejam de todos.
Pessoalmente, senti
muita, mas muita necessidade mesmo de um sistema em nuvem no início
da implementação do Programa Nacional de Cultura Cultura Viva,
mantido pelo MinC e em atividade desde 2004. A falta de estratégias
para ajudar os participantes a organizarem seus processos de gestão
e de um sistema eficiente de relacionamentos quase puseram a perder
um dos mais importantes programas de fomento à cultura das últimas
décadas.
Chegou-se a criar um sistema baseado em Drupal, mas na
prática ele nunca venceu o estágio Beta, e ao que parece foi
abandonado. Hoje o MinC está experimentando o Wordpress para
desenvolver seus blogs institucionais, e certamente os grandes
volumes de dados algum dia estarão (já estão?) circulando em data
centers.
O que temos aí, claro,
é apenas a ponta do iceberg, sua face mais evidente e nítida. A
neutralidade da lógica do software livre torna-o um candidato
natural para a concepção, desenvolvimento e implementação de
estratégias e soluções que aprimorem e garantam os direitos civis.
A natureza coletiva - e portanto necessariamente pública - da
produção de software livre praticamente exige que ele se envolva e
participe do desenvolvimento de ferramentas educacionais não apenas
para ensinar, mas também para processar e distribuir dados e
estatísticas que possam ajudar a dinamizar a vida administrativa e
pedagógica das escolas públicas e privadas.
Ainda que não se possa
impedir a participação das empresas transnacionais de tecnologia no
processamento (na 'manipulação') de dados estratégicos, os
ativistas do software livre parecem assumir cada vez mais a função
de construir aparatos jurídicos e gadgets de monitoramento e
validação dos dados dos sistemas educacional e cultural (assim como
o dos outros sistemas, como o da Saúde, da Habitação...), enquanto
cabe aos ativistas sociais e culturais promover a avaliação
qualitativa desses dados, confrontando quando necessário com o poder
público e com a sociedade.
Aliás, a criação de
'sensores' para acompanhar 'em tempo real' o comportamento da máquina
pública seria uma outra contra-profecia genial da informática: ao
invés de haver (apenas) um BigBrother acompanhando o que cada
cidadão faz em sua vida pública e privada, o ativismo SL pode
permitir que a computação em nuvem trabalhe para monitorar os dados
e ações daqueles que nos vigiam. Atualmente, se há alguém que
precisa de um Big Brother, é exatamente o Estado...
O artigo “Alguns
aspectos estratégicos computação em nuvem” foi escrito por
Orlando Lopes e publicado originalmente na edição
nº 1 da Revista Espírito Livre. Para ter acesso a este e
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da Revista Espírito Livre ou as outras edições gratuitamente no
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